A maneira como o ser humano
se relaciona afetivamente já é construída desde o início da sua vida e a “tendência”
é repetirmos situações emocionais que vivemos na infância e que, de alguma
maneira, não foram totalmente resolvidas pelo nosso psíquico. Numa analogia ao
aparelho digestivo, podemos dizer que, como uma comida “pesada” tende a voltar
para ser digerida, o psíquico muitas vezes tende a reproduzir a mesma situação
para “digeri-la” melhor e isso acontece em vários segmentos de nossa vida,
inclusive e principalmente a afetiva, o que, não tratado, traz várias
consequências negativas na vida da pessoa.
Inicialmente, portanto, esse
é um dos fatores que levam alguém a buscar um companheiro desse ou daquele
tipo. Entretanto, é importante termos uma visão mais abrangente ainda sobre
este tema. Veja, por exemplo, a grande incoerência do mundo moderno: mesmo
tendo hoje, infelizmente, altos índices de divórcio, infidelidade e tanta gente
vivendo só, o ser humano anseia por um romance, um relacionamento, histórias de
amor... E o paradoxo está no fato de que este mesmo ser humano quer cada vez
mais manter a sua liberdade. Como consequência natural, vemos tanta gente em
conflito consigo e com o mundo.
Da mesma forma, observamos um
grande número de casos onde tudo é maravilhoso no início, opostos que se
atraem, etc., mas quando o relacionamento termina, a primeira frase que vem é a
famosa: “éramos muitos diferentes...” Não é?
Opostos até se atraem, porém
apenas os semelhantes vão além da atração. Quando se procura alguém, é preciso priorizar
o que realmente os mantém juntos, e não sintetizar as coisas na parte física,
sexual, material ou em afinidades. Isso é tão pouco! Quais os interesses
“sérios” de cada um, visão, personalidade, passado, objetivos, enfim, o que
realmente se partilhará com conteúdo e valor na relação?
Nem sempre o que nos atrai é
real. Na maioria das vezes tem ligação a alguma fantasia ou desejo temporário,
estilo de vida, interesses ou emoções que nos alimentam “naquela” fase da vida.
O que a pessoa está vendo no parceiro não é nada mais nada menos do que uma
“criação” dela, uma projeção, mas não é bem o que aquela pessoa realmente é ou
pode proporcionar a médio ou longo prazo, e os conflitos não demoram a
aparecer. Muitos chamam de crise dos “x” anos, e tantas outras “explicações”.
Há ainda os casos em que se busca no
outro a complementação do que não se tem (aí entraria o termo “opostos”), o que
não é saudável, porque uma relação não pode ser estruturada em “falhas”, ou
então em buscar no outro um “acerto”, uma “correção”, ou uma complementação.
Precisamos estar completos, realizados e de bem conosco mesmos para então
colocarmos alguém (que deve estar nesta mesma situação) em nosso caminho. Relacionamento
ou casamento não é terapia. Cada coisa no seu lugar!
Na verdade, o que causa todo
esse processo falho que desencadeia infelicidade e problemas é a falta do
autoconhecimento e do amadurecimento psíquico suficiente para as pessoas
buscarem num relacionamento algo que até leve em consideração estudos, regras e
“dicas para encontrar a pessoa ideal” (e isso é o que mais vemos por aí), mas
que acima de qualquer coisa faça com que seja avaliado o que realmente as farão
felizes em suas vidas, não só no momento da busca ou acreditando nas “dicas” -
mas projetando o futuro - não só nas necessidades do momento - mas vislumbrando
como os dois agirão nas diversas situações em que a vida se apresentará.
Para os bons momentos sempre
temos muitas opções e pessoas disponíveis. Mas... e nos momentos não tão bons,
quem realmente estará ao nosso lado e na mesma sintonia? Hoje, esta pessoa que
estou buscando me atende em diversos aspectos, mas, mudando um pouco estes
aspectos (meus ou do outro), ela realmente estará firme comigo? Pense nisso,
pois o “estrago” posterior não compensa a ilusão de hoje.
É preciso se amar o
suficiente para colocar as coisas nos seus devidos lugares, sem
superficialismos ou imediatismos.
Não busque paliativos e
muito menos se agarre a “sensações momentâneas” ou aos “apelos e regras”
distorcidas da “modernidade” (entenda que há muito interesse alheio por trás
dela). Busque se encontrar e ser feliz da maneira correta e saudável ao corpo e
ao espírito. Se for para ter alguém, que seja alguém que você realmente quer e
merece, e que, acima das regras e ditados populares, essa pessoa esteja próxima
de quem você realmente é e pensa.
(artigo também publicado no Jornal de Piracicaba, dia 30 de outubro, 2016.)
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